Estetoscópio e família

Em face da nova lei do Orçamento do Estado para 2022 que prevê a contratação de médicos sem especialidade para substituir os especialistas de MGF no Serviço Nacional de Saúde (SNS), o Fórum Médico considera que:

  • A situação é totalmente inaceitável e representa uma grave violação dos valores e princípios da carreira médica, da atividade médica e do ato médico.
  • A Ordem dos Médicos, os Sindicatos Médicos e a APMGF não foram consultados sobre esta medida, totalmente lesiva dos interesses dos cidadãos e dos doentes.
  • A especialidade de MGF é amplamente reconhecida a nível nacional e internacional, e foi a principal alavanca do desenvolvimento dos cuidados de saúde primários e da melhoria significativa dos indicadores de saúde em Portugal.
  • Esta medida, que desvaloriza a especialidade de MGF, constitui um retrocesso civilizacional, um destroçar de 40 anos de evolução na qualidade dos cuidados de saúde primários, colocando em causa um direito fundamental que está proclamado na Constituição da República e na Carta dos Direitos Humanos.
  • Existem alternativas construtivas para assegurar Médico de Família a todos os portugueses. Na verdade, Portugal forma cerca de 500 especialistas de MGF por ano, e tem fora do SNS cerca de 1400 especialistas de MGF. O que significa que as várias propostas alternativas apresentadas por diferentes partidos políticos e por diferentes estruturas representativas dos médicos e da sociedade, são exequíveis e permitem que todos os cidadãos possam ter acesso a Médico de Família. A criação de mais USF, o não dificultar a passagem de A a B, além de promover a generalização das USF modelo B, a introdução do trabalho remunerado por objetivos aos colegas UCSP e a valorização dos médicos que trabalham em UCSP, são caminhos que decerto garantiriam Médico de Família a todos os portugueses.
  • Se o Governo estivesse a conseguir captar 80% dos jovens especialistas formados anualmente em Portugal não tinha falta de Médicos de Família no SNS.
  • A principal solução passa pela captação de jovens médicos para o SNS e pela fixação de médicos mais experientes, tornando o setor público mais atrativo em condições técnicas, bem como em condições de trabalho e remuneratórias.
  • A contratação de médicos sem especialidade (ou com outra especialidade) para desempenhar funções atribuídas a um especialista de MGF é ética e juridicamente questionável. Trata-se de um desrespeito total pela diferenciação e especialização médica e demonstra um desconhecimento atroz dos efeitos desta medida na saúde dos doentes por quem os deveria proteger.
  • Não queremos ter em Portugal doentes / cidadãos de primeira e segunda categoria. Uns têm direito a médico de família especialista em MGF e outros não.
  • O Fórum Médico teme que caso a tutela insista nesta situação, tenhamos tempos muito difíceis à nossa frente, com mais médicos a abandonar o SNS e e com os novos médicos a não escolher esta área de formação para se especializar agravando no futuro o deficit em especialistas em MGF. 
  • É imperativo proteger a dignidade da profissão e dos doentes. Os portugueses merecem que se apliquem soluções mais eficientes para a sua Saúde e para o seu SNS.
  • Não queremos que amanhã uma grávida que não tenha acesso a um especialista em Obstetrícia lhe seja atribuído um médico especialista em Urologia, que a um doente que não tenha acesso a um Cardiologista lhe seja atribuído um médico especialista em Reumatologia, ou que a um doente que não tenha acesso a um especialista em Anestesiologista lhe seja atribuído um médico sem especialidade.
  • O Governo tem a obrigação de garantir e de concretizar o direito de acesso de todos os portugueses a um Médico de Família. Estes existem, podem e devem ser contratados. Pelo bem-estar e segurança dos nossos cidadãos, pela dignidade da profissão, não é possível desvalorizar a formação e a carreira médica, colocando médicos sem especialidade nos centros de saúde com uma lista de utentes à sua inteira e total responsabilidade.
  • Finalmente, o Fórum Médico não hesitará em responsabilizar juridicamente os decisores políticos pelas opções, caso, algum doente ou cidadão seja prejudicado pela falta de acesso um médico especialista. Todos os médicos portugueses ficarão em vigilância permanente.

Lisboa, 6 de julho

Ordem dos Médicos
APMGF
SIM
FNAM

Médicos em corredor

De forma a ter um conhecimento mais aprofundado sobre a falta de recursos humanos nos serviços de saúde, a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) lançou um formulário de denúncia, anónimo e confidencial.

Estes dados são particularmente importantes, num momento em que surgem informações contraditórias sobre a situação nos serviços de urgência e em que se estão a decorrer negociações com o Ministério da Saúde.

Adicionalmente, a FNAM pretende identificar situações de falta de condições para além dos serviços de urgência. Como tal, o formulário de denúncia destina-se a todos os médicos do Serviço Nacional de Saúde e do sector privado que pretendam dar a conhecer uma situação de falta de recursos no seu serviço. A FNAM apenas divulgará dados parciais, que não permitam a identificação dos autores das denúncias.

A situação atual tem de ser rapidamente revertida e a participação dos médicos é fundamental. A FNAM exige salários dignos, uma carreira médica valorizada e um estatuto de penosidade e risco acrescido para todos os médicos.

Hospital Santa Maria

É com grande preocupação que o Sindicato dos Médicos da Zona Sul (SMZS) teve conhecimento do encerramento da Unidade de Cuidados Intensivos Respiratórios do Hospital de Santa Maria, em Lisboa – uma das maiores e mais importantes do país –, durante o dia de hoje, 30 de junho.

Não foi possível garantir o número mínimo de médicos de forma a manter o serviço em funcionamento.

No ano de 2022, formaram-se, neste hospital, três médicos especialistas em pneumologia, mas apenas foi aberta uma vaga. Trata-se de uma incapacidade de gestão de recursos humanos, que teria possivelmente evitado este desfecho.

Para o SMZS, esta gestão danosa estende-se desde o Conselho de Administração, que não previu nem evitou esta situação, até ao Governo, ao não tomar medidas que efetivamente garantam um sério investimento no Serviço Nacional de Saúde e as condições de trabalho e remuneratórias para os médicos.

A Direção do SMZS
30 de junho de 2022

Mãe com bebé em cama de hospital

Com o encerramento de vários os serviços de obstetrícia na região de Lisboa e Vale do Tejo, durante as semanas de feriados de junho, e uso intensivo de médicos tarefeiros para colmatar as falhas nos serviços, o Sindicato dos Médicos da Zona Sul (SMZS) reforça os seus alertas para a iminente rotura nos cuidados de saúde materno-infantis e o fecho de urgências, que, infelizmente, não são novidade. No entanto, o Ministério da Saúde continua a ignorar os sinais de alarme. Já não há remendos nesta área.

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem sido depauperado de pessoal médico ao longo de vários anos. Como forma de colmatar as sucessivas falhas de pessoal nas equipas de urgência, são pedidas a várias empresas externas que disponibilizem pessoal médico – os chamados tarefeiros. A precariedade desta contratação temporária não exige período de férias nem atribui faltas.

Assim, o serviço – que já se encontra depauperado – vê-se ainda mais reduzido nos períodos de férias, uma vez que não só os médicos contratados vão de férias alternadamente, como os tarefeiros estão indisponíveis. A maioria dos serviços, já dependente dos tarefeiros para assegurar escalas, vê-se assim na iminência de fechar portas no verão.

A qualidade da prestação de cuidados à saúde da mulher e da grávida está em risco. Com serviços fechados e a completa falta de articulação entre os hospitais e um Ministério da Saúde que se recusa a assumir as falhas de pessoal, propõe-se o aumento do pagamento a partir das 150 horas extraordinárias obrigatórias por lei. O Ministério não entende que existem serviços em que está a ser proposto pagar 150 euros por hora aos médicos tarefeiros, não sendo, ainda assim, possível assegurar as escalas de urgência com os especialistas necessários.

A opção por depender de médicos tarefeiros não permite sequer resolver o problema da falta de condições, havendo situações graves em que, não existindo acesso ao bloco de partos, há grávidas a parir nos corredores dos hospitais, sem acesso aos cuidados de saúde adequados e à privacidade que o momento exige.

O Ministério da Saúde reativou a Comissão de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia/Obstetrícia e Bloco de Partos que não tem os recursos necessários para garantir resposta. Sem os necessários recursos, não se vislumbra forma de uma reorganização eficaz dos serviços de urgência de Obstetrícia. Além disso, a proposta de concentração destas urgências pode resolver, em parte, o problema da falta de médicos especialistas, mas reduz o número de salas e blocos de partos, não sendo em número suficiente para acomodar todas as utentes que necessitarão de cuidados.

Os médicos querem trabalhar com condições, com serviços organizados, sem falta de pessoal e que não coloquem em risco a vida das utentes e o seu futuro profissional. O SMZS continuará a denunciar situações que coloquem os utentes em risco e exponham os seus profissionais a situações de stress e risco acrescido de erro médico.

Para o SMZS, é urgente e inevitável que se implementem medidas que motivem a fixação dos médicos, reforçando o SNS e dando condições dignas de trabalho para quem nele exerce.

A Direção do SMZS
24 de junho de 2022

© Sindicato dos Médicos da Zona Sul