Médicos sem especialidade aumentaram 40%

Instituto Nacional de Estatística divulgou neste mês de Abril, como em todos os anos, as Estatísticas de Saúde, com os dados oficiais para o setor respeitantes a 2016.

Os Ministros da Saúde e das Finanças já anunciaram, por diversas vezes e fazendo disso ponto de honra, a contratação de mais funcionários para o SNS. E é verdade. Mas não basta saber quantos são; importa saber em que setor estão e qual o seu grau de diferenciação. E as Estatísticas de Saúde 2016 não deixam margem para dúvidas de que o cenário não traz boas perspetivas nem para os profissionais nem para os utentes que procuram cuidados de saúde gratuitos e de qualidade: os médicos sem especialidade aumentaram 40%, os médicos especialistas foram contratados sobretudo pelos hospitais privados e parcerias público-privadas (PPP) e os enfermeiros especialistas diminuíram face ao ano anterior.

 

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Fonte: INE, I.P., Estatísticas de Saúde 2016, 2018, Lisboa.

 

Médicos

Em 2016 estavam inscritos na Ordem dos Médicos 50.239 médicos, mais 1.752 do que no ano anterior, o que corresponde a um aumento de 3,6%. Embora cerca de dois terços (30.669) sejam especialistas, foram os não especialistas que mais aumentaram (mais 1.002 não especialistas e apenas mais 750 especialistas).

Mas é nos hospitais que a situação assume características mais preocupantes. Em 31 de Dezembro de 2016 estavam ao serviço nos hospitais 24.003 médicos, um acréscimo de 1.129 profissionais (4,9%) em relação a 2015 (Gráfico 1). Para o setor público, foram contratados mais 708 médicos, distribuindo-se os restantes entre as unidades privadas e PPP. Mas atentemos ao tipo de clínicos que temos ao serviço nos hospitais (Tabela 1). A maioria continua a ser especialista (mais de dois terços), com um aumento de 5,6% de 2015 para 2016. Mas o grande acréscimo foi a nível dos médicos sem especialidade, que aumentaram 40%. Por outro lado, os médicos especialistas foram contratados sobretudo pelos hospitais privados e PPP, onde aumentaram 12,3%, enquanto nos hospitais públicos houve apenas mais 3,6% médicos especialistas. É inequívoca a aposta da tutela nos médicos indiferenciados, um problema recente mas crescente, que será gerador de dumping salarial e de uma medicina de baixa qualidade.

Tabela 1: Número de médicos ao serviço nos hospitais em 2015 e 2016, por tipo de hospital e especialização.

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Fonte: INE, I.P., Estatísticas de Saúde 2016, 2018, Lisboa e Estatísticas de Saúde 2015, 2017, Lisboa. PPP, parceria público-privada.

 

A formação dos jovens médicos é algo em que não se investe, comprometendo assim o futuro da medicina no país. Em 2016, o incremento de internos da especialidade (internato complementar) foi inferior a 1% face a 2015 (Gráfico 1). Uma estratégia, aliás, que vem em linha com a aposta nos médicos indiferenciados e que está de acordo com o novo regime jurídico do internato médico (Decreto-Lei n.º 13/2018 e Portaria n.º 79/2018), que prevê a especialidade médica como a exceção e não a regra.

O rácio de médicos por mil habitantes em 2016 foi de 4,9, um número significativamente superior à média da União Europeia (UE), que foi de 3,5 em 2015 (últimos dados disponíveis). Contudo, a distribuição geográfica gera grandes assimetrias no acesso das populações aos cuidados de saúde, com o Alentejo, o Algarve e as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores muito abaixo do rácio do resto do país (Gráfico 2). Uma realidade que coloca em evidência a necessidade de uma verdadeira política de incentivos para fixar os médicos nas regiões mais carenciadas, algo que até agora tem sido bastante deficitário, com medidas pouco atrativas e com os resultados que estão à vista.

Gráfico 2: Número de médicos inscritos na Ordem dos Médicos por mil habitantes, 2016.

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Fonte: INE, I.P., Estatísticas de Saúde 2016, 2018, Lisboa.

 

Enfermeiros

Tabela 2: Número de enfermeiros ao serviço nos hospitais em 2015 e 2016, por tipo de hospital e especialização.

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Fonte: INE, I.P., Estatísticas de Saúde 2016, 2018, Lisboa e Estatísticas de Saúde 2015, 2017, Lisboa. PPP, parceria público-privada.

 

No que respeita ao pessoal de enfermagem, a opção pela não diferenciação também é a regra, com apenas 14% dos enfermeiros hospitalares especializados (Tabela 2). Embora em 2016 houvesse mais 1.802 enfermeiros ao serviço nos hospitais, correspondendo a um aumento de 4,8% comparativamente a 2015, os enfermeiros especialistas decaíram em 195 (uma diminuição de 3,4%).

O rácio de enfermeiros por mil habitantes foi de 6,7, muito abaixo da média da UE, que foi de 8,4 em 2015 (últimos dados disponíveis). Fica bem patente a carência de enfermeiros em Portugal e a urgência em contratar mais enfermeiros para o SNS.

 

Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica

Registou-se um aumento de 301 (3,5%) técnicos de diagnóstico e terapêutica nos hospitais de 2015 para 2016. A maioria distribuiu-se pelas áreas de análises clínicas e saúde pública (21,5%), radiologia (20,4%) e fisioterapia (15,6%). Embora sejam o grupo menos numeroso, vale a pena dedicar algumas palavras aos higienistas orais: em 2015 eram apenas 20 técnicos e em 2016 conseguiram ainda a proeza de reduzir para metade, sendo que 4 deles se encontravam no privado. Há muito trabalho a fazer se o Ministério da Saúde pretende mesmo trazer a saúde oral para os centros de saúde, como anunciou no ano passado.

No que diz respeito aos profissionais de saúde, as Estatísticas de Saúde 2016 vêm confirmar algo que, infelizmente, já vem sendo do conhecimento tanto de quem trabalha no setor como dos cidadãos em geral: aposta-se em profissionais menos qualificados e mais baratos, investe-se numa medicina menos diferenciada em contracorrente com o progresso técnico-científico e deixa-se fugir os melhores profissionais para o privado, não porque aqui lhes ofereçam melhores condições, mas porque o setor público os despreza. É o resultado de anos sucessivos de políticas em prol de um SNS low cost e low quality. Mas é por um SNS vivo, de boa saúde e à portuguesa que temos de lutar.

 

Texto de T.R.

© Sindicato dos Médicos da Zona Sul