2023, o ano dos anos da luta dos médicos

O ano de 2023 foi de grande intensidade para a comunidade médica, e nós, na FNAM, somos bem testemunhas disso. A luta sindical começou logo no início do ano quando, perante o bloqueio do processo negocial, tivemos de convocar a primeira greve em março e desenvolvemos ações até ao fim do ano, na defesa da nossa profissão e do Serviço Nacional de Saúde (SNS). 

A greve dos médicos de março foi a primeira de várias greves que se multiplicaram no verão, com destaque para a que decorreu durante as Jornadas Mundiais da Juventude, em agosto, às que se seguiram  em outubro e em novembro. Estas greves  demonstraram a união dos médicos na luta por salários justos e condições de trabalho dignas no SNS, e o necessário  equilíbrio entre a vida profissional,  pessoal e familiar. 

Além das greves com adesões acima dos 80% e manifestações muito participadas que as acompanharam, regionais e nacionais, nos hospitais e em frente ao Ministério da Saúde, lançámos, no final de maio, as declarações de indisponibilidade em realizar mais do que o limite legal das 150 horas suplementares anuais, de que dependem em larga escala os serviços de urgência de norte a sul do país. Esta ação ganhou vida para lá das fronteiras da FNAM, numa lógica de construção unitária e sem sectarismos. Nós, médicos, demonstramos que estamos unidos na valorização da nossa profissão e carreira, e na defesa do SNS.

No último quadrimestre do ano a FNAM percorreu o país, numa caravana que iniciou com a flashmob no simpósio da Organização Mundial da Saúde, no Porto, e passou por cerca de trinta  unidades de saúde do SNS, onde demos conta das condições de trabalho cada vez mais degradadas dos médicos. Fizémos vários webinars para esclarecimento sobre a dedicação plena, um novo regime de trabalho, que foi legislado unilateralmente sem o acordo dos médicos, que fere a Constituição da República Portuguesa e as diretivas do direito do trabalho europeu. 

Por fim, organizámos as Jornadas Ibéricas, uma cimeira sindical onde contámos com os nossos congéneres espanhóis da Confederación Estatal de Sindicatos Médicos (CESM) e fomos até Bruxelas reunir com eurodeputados e a equipa da Comissária Europeia para a Saúde. Em Bruxelas,  fizemos um retrato das condições laborais dos médicos, entregámos as soluções da FNAM para as melhorar e apresentámos um manifesto internacional na defesa de serviços públicos de saúde.

A população em Portugal passou a perceber que os médicos trabalham, em média, mais 4 meses do que a generalidade dos profissionais da saúde e restante  administração pública, e que os médicos não aceitam perda de direitos laborais que coloquem em risco a sua segurança, mas acima de tudo, a dos próprios utentes. O país percebeu ainda que os médicos em Portugal foram a classe profissional que mais poder de compra perdeu na última década, que somos dos médicos mais mal pagos a nível europeu, e que a nossa luta não é corporativa, mas sim para parar a sangria de médicos do SNS para a emigração, sector privado e/ou prestação de serviços. 

Este governo, agora em gestão, após a crise política instalada no fim deste ano, não foi capaz de tecer uma negociação séria com os médicos ao longo de 19 duros meses. O Ministério da Saúde, liderado por Manuel Pizarro, não teve vontade política, nem competência, para firmar um bom acordo com os médicos, capaz de os atrair e fixar no SNS, mas foi capaz de fazer com que mais médicos saíssem do SNS e lançar o caos nos vários serviços de urgência, com encerramentos e contingências em todo o país, por falta de médicos.

Fechamos este pequeno balanço de 2023 com uma palavra especial aos novos associados da FNAM, que se juntaram ao longo do ano e ao ritmo do processo de luta. Em 2024 todos os médicos podem contar com a FNAM no apoio ao dever de cumprir com a Lei, para não excederem o limite legal anual do trabalho suplementar e para declinarem qualquer responsabilidade sempre que estejam perante condições inadequadas ao exercício da prática clínica, assim como combateremos os atropelos laborais e assédio nos vários locais de trabalho, com apoio dos nossos serviços jurídicos. 

A FNAM olha ainda com especial atenção para os médicos internos, que são um terço da força de trabalho no SNS, e vai continuar a lutar pela reintegração do internato médico na carreira médica. Reiteramos: sem médicos não é possível manter um SNS, que a FNAM luta para que seja universal, acessível e de qualidade e para toda a população.

Uma palavra final de reconhecimento para os Órgãos de Comunicação Social, em especial os jornalistas que estiveram responsáveis pelo acompanhamento do complexo tema da Saúde, cujo trabalho foi fundamental para a boa compreensão pública de tudo o que envolveu a luta dos médicos em defesa do SNS.

Vídeo com os principais momentos de 2023

Esclarecimento jurídico

O Departamento Jurídico da Federação Nacional dos Médicos (FNAM) publicou um esclarecimento sobre a aplicação de valores remuneratórios, atualizado com a publicação do Decreto-Lei n.º 137/2023, de 29 de dezembro:

  1. Os novos valores remuneratórios a vigorar a partir de 01.01.2024, aplicam-se a todos os médicos especialistas e a todos os médicos internos, sindicalizados ou não, que trabalham no SNS.
  2. Aplicam-se, portanto, a todos os médicos especialistas e a todos os médicos internos, de todas as áreas profissionais, filiados nos Sindicatos que integram a FNAM. 
  3. Tal aplicação, por referência aos médicos da carreira especial médica (CTFP), decorria da publicação do Decreto Regulamentar n.º 51- A/2012, de 31/12, em vigor, até 31/12 que procedia à identificação dos níveis remuneratórios da tabela remuneratória dos trabalhadores médicos integrados naquela carreira em regime de 40 horas de trabalho semanal.
  4. Com a publicação do Decreto-Lei n.º 137/2023, de 29 de dezembro foi revogado o artigo 17º e 18º nº 1 do Decreto-Lei 177/2009, atualizado (diploma da carreira especial médica) que determinava a obrigatoriedade da publicação das tabelas remuneratórias através de decreto regulamentar e bem assim, o artigo 18º nº1 que estabelecia as posições remuneratórias para cada categoria.
  5. Com a publicação do Decreto-Lei n.º 137/2023, de 29 de dezembro foi também revogado o anexo I do Decreto-Lei 177/2009 relativo às posições remuneratórias.
  6. Quanto aos médicos da carreira médica (CIT), as respetivas posições remuneratórias e remunerações são fixadas em IRCT no BTE, n.º43, de 22/11/2015, artigo 46.º (posições remuneratórias iguais às publicadas no Decreto-Lei n.º 177/2009, para a carreira especial médica) e 54.º (aqui concretizando os níveis remuneratórios por referencia à TRU) do ACT concretizado pelo Anexo II.
  7. As remunerações dos médicos em CIT, fixadas em IRCT, para as diversas categorias e áreas profissionais, são iguais às remunerações dos médicos em CTFP, conforme cláusula 54.ª n.º 2 do ACT.
  8. Os médicos em CIT, não sindicalizados, auferem a mesma remuneração dos médicos em CIT, sindicalizados, apesar de não estarem abrangidos pelo IRCT em vigor.
  9. O Decreto-Lei n.º 176/2009, de 4 de agosto (carreira médica) previa e prevê na cláusula 16.ª que as posições remuneratórias e as remunerações dos trabalhadores integrados na carreira médica são fixados por IRCT.
  10. Os novos valores remuneratórios objeto do acordo «intercalar» continuam a não ser conhecidos, mas apenas as novas tabelas publicadas no Decreto-Lei n.º 137/2023, de 29 de dezembro.
  11. Realça-se que quer para a carreira médica, quer para a carreira especial médica os níveis e posições remuneratórias por categoria estavam fixados apenas para o regime de tempo de trabalho das 40 horas.
  12. O Decreto-Lei n.º 137/2023 cria um conjunto de novas estruturas remuneratórias, com posições e níveis remuneratórios diferentes por categoria e regimes de tempo de trabalho revogando implicitamente, toda a legislação dos regimes transitórios das 35 horas em regime de tempo completo, 35 horas em dedicação exclusiva e 42 horas em dedicação exclusiva.
  13. Os regimes transitórios supracitados beneficiam de disposições legais próprias, com suplementos e forma de construção dos respetivos níveis remuneratórios que são afastados com este novo diploma violando os direitos adquiridos dos trabalhadores médicos e estabelecendo um novo regime remuneratório para regimes transitórios.

Descarregue aqui a versão em PDF do esclarecimento.

Medicina de catástrofe

O encerramento e condicionamento de quase metade dos Serviços de Urgência (SU) de norte a sul do país, foi algo que se tornou trivial neste Ministério da Saúde liderado por Manuel Pizarro, que não teve a competência de conseguir atrair e fixar médicos no Serviço Nacional de Saúde (SNS), num ano em que o número de médicos reformados atingiu o pico de 822. Os médicos estão sobrecarregados, sem condições adequadas ao exercício das suas funções e a praticar «medicina de catástrofe» em vários SU onde um volume excessivo de doentes dá entrada na última semana do ano.

 

As insuficiências multiplicaram-se durante o Natal, e teme-se o pior para os últimos dias do ano, onde os períodos após as celebrações são tradicionalmente mais exigentes para os SU. A falta de médicos no SNS continua a falar mais alto do que o ilusionismo do Ministério de Manuel Pizarro, que insiste em anunciar o regresso de uma normalidade que só existe no seu imaginário.

Destacamos situações que costumam funcionar abaixo dos mínimos que colocam médicos e doentes em risco como o SU do Centro Hospitalar Universitário de Santo António (CHUdSA), no Porto, onde médicos internos têm sido forçados a colmatar a falta de médicos especialistas. Há dias com um único médico interno a assegurar urgência externa de Medicina Interna, e em simultâneo pelo menos 140 doentes internados a cargo dessa especialidade, sem médico especialista na escala de urgência interna, situação que se prevê que se mantenha a partir de janeiro. Além disso, no CHUdSA, os médicos têm sido vítimas de desregulação ilegal dos seus horários, com 6 dias de trabalho semanal, sem que lhes seja concedido o descanso compensatório após a realização de trabalho aos domingos e feriados. Por fim, no CHUdSA, ainda está por regularizar o pagamento da majoração do trabalho suplementar aos internos e dificulta a marcação de estágios opcionais fora da instituição, prejudicando assim a formação dos seus internos e sacrificando a mais-valia que representaria para a própria instituição.

Temos também a situação do Hospital de Leiria, no Centro, que se tornou particularmente grave com médicos a praticar “medicina de catástrofe”, e durante o fim de semana que terminou no dia de Natal, com serviços dependentes de apenas dois médicos especialistas e dois internos de formação geral, que não têm a experiência necessária para, com a necessária segurança para os doentes, praticarem atos médicos de forma autónoma. Durante a noite da véspera de Natal todo o hospital esteve entregue a 1 especialista, 2 generalistas e a 2 internos do 1º e do 2º ano. Todas as outras especialidades de urgência estavam encerradas: Cardiologia, Ginecologia, Cirurgia, Pediatria. A Medicina Interna esteve fechada desde a noite de 24, e mesmo assim não pararam de chegar urgências por meios próprios e doentes por ambulâncias sem contacto com CODU, aumentando o risco médico-legal para os médicos e a segurança dos doentes.

A Sul, no Algarve, há alguns SU a alternar entre os hospitais de Faro e de Portimão, sem capacidade de assegurar o funcionamento em simultâneo. É o caso da Pediatria, da Ginecologia-Obstetrícia, da Gastrenterologia e, mais recentemente, da Urologia.

A FNAM disponibiliza aos médicos uma declaração de declinação de responsabilidade funcional com o objetivo de rejeitar toda e qualquer responsabilidade decorrente da prática de atos médicos, sempre que estejam perante condições inadequadas ao exercício das suas funções, circunstancialismo que, de forma isolada ou conjuntamente, condiciona, objetivamente, a garantia do cumprimento das leges artis, considerando os serviços médicos a prestar aos doentes.

Por fim, a FNAM mantém a defesa das condições laborais dos médicos, como garante do SNS e desafia o próximo Governo a ter a sensatez de assumir uma negociação séria e competente, para um acordo que garanta salários justos e condições de trabalho dignas para dotar o SNS de médicos nas várias especialidades.

Boas festas

O Sindicato dos Médicos da Zona Sul (SMZS) e a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) desejam boas festas a todos os seus membros, familiares e amigos, à comunidade médica, aos profissionais de saúde, aos utentes, e a todos os que, connosco, têm lutado pelo futuro do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Saudamos especialmente os médicos internos e especialistas que, nesta quadra festiva, asseguram os serviços de saúde à população no SNS.

No próximo ano, seja qual for o governo escolhido a 10 de março, continuaremos o caminho capaz de ser portador da mudança de paradigma para que o SNS, um dos pilares da nossa democracia, seja salvaguardado como universal, acessível, de excelência, e capaz de continuar a proteger a saúde de toda a população.

© Sindicato dos Médicos da Zona Sul